No Dia Nacional do Escritor, conheça histórias de grandes autores com seus gatos

Sílvia Haidar

São tantos escritores importantes que tiveram gatos como companheiros de escrivaninha, que é possível fazer uma afirmação um tanto audaciosa: sem os bichanos a literatura mundial teria sido gravemente comprometida.

Para Ferreira Gullar, poeta e colunista da Folha, os felinos são parceiros ideais para os escritores porque são silenciosos e têm autonomia.

“Os cachorros são animais muito inteligentes também, mas são muito dependentes. Já os gatos não exigem tanto da gente”, diz o autor ao Gatices. “É um bicho mais cômodo para quem escreve”, conclui.

Gullar conta que sempre teve gatos em casa. Em 2000, ele lançou “Um Gato Chamado Gatinho”, que escreveu inspirado em seu bichano mais famoso. A editora havia pedido que o autor fizesse um livro para crianças, e ele entregou alguns poemas que tinha escrito para o Gatinho.

O bichano viveu 16 anos ao lado do escritor. Gullar dizia que não era “dono” de Gatinho, mas sim seu amigo.

Quando Gatinho morreu, ele ficou tão triste que não quis “substituí-lo”. Até que ganhou a Gatinha, siamesa como o Gatinho, da cantora Adriana Calcanhotto. Parte dessa história Gullar conta na crônica Quisera ser um gato, publicada na Folha em 2014.

 

Guimarães Rosa (1908-1967), um dos principais autores brasileiros, vivia rodeado por felinos.

Certa vez o ex-presidente Jânio Quadros (1917-1992) teria visitado o escritor e se espantado com a quantidade de gatos em sua sala: “Por que tantos gatos? Geralmente as pessoas preferem cachorros”. E Guimarães teria respondido: “Porque os gatos são mais fiéis ao dono. Já os cachorros se parecem com certos diplomatas, que abanam o rabo para qualquer autoridade”.

Alfinetadas políticas à parte, Guimarães Rosa, autor de clássicos como “Sagarana” e “Grande Sertão: Veredas”, adorava gatos. Ele e sua mulher, Aracy de Carvalho (1908-2011), viviam com vários persas. Dizem que entre toda a gataria, o escritor tinha dois bichanos preferidos com quem gostava de conversar.

 

O casal Aracy de Carvalho (1908-2011) e Guimarães Rosa (1908-1967) com seus gatinhos, no Rio, em 1957 (Arquivo Pessoal)
O casal Aracy de Carvalho e Guimarães Rosa com seus gatinhos, no Rio, em 1957 (Arquivo Pessoal)

Edgar Allan Poe (1809-1849), um dos mais famosos escritores de histórias de terror e inventor do romance policial, passou anos de sua vida ganhando pouco, enfrentando o alcoolismo e com a esposa, Virgínia, doente de tuberculose. A principal companhia do casal era uma gata malhada chamada Cattarina.

Nesse período, Poe escreveu o conto “O Gato Preto”, um estudo da psicologia da culpa. A história traz algumas semelhanças com a situação que ele vivia, como o alcoolismo do personagem e o amor entre a mulher e o felino (chamado Pluto na ficção).

Ernest Hemingway (1899-1961), autor de clássicos da literatura como “Por Quem os Sinos Dobram” e “O Velho e o Mar”, também amava gatos. Ele teve muitos bichanos em suas casas em Finca Vigía, em Cuba, e em Key West, na Flórida.

O primeiro felino a habitar a residência da Flórida foi Snow White (às vezes chamada de Snowball), uma gata branca com polidactilia –com seis dedos nas patinhas da frente, sendo que normalmente os gatos têm apenas cinco.

Snow White foi dada de presente a Hemingway pelo capitão Stanley Dexter. Os marinheiros gostam muito de gatos, pois espantam os ratos das embarcações, além de acreditar que os bichanos com polidactilia dão sorte aos navios.

Após a morte de Hemingway, em 1961, a casa foi transformada em museu. Atualmente cerca de 50 gatos vivem lá, metade deles com seis dedinhos, assim como a “matriarca” da família. Todos são tratados por Edie Clark, veterinário responsável pela saúde dos bichanos.

A história de amor entre Hemingway e seus gatos, que os chamava de “máquinas de ronronar” e “esponjas de amor”, é contada no livro “Hemingway’s Cats: An Illustrated Biography”, escrito por Carlene Brennen  e Hilary Hemingway, sobrinha do autor.

Ilustração de Aubrey Beardsley (1872-1898) para "O Gato Preto", de Edgar Allan Poe (Divulgação)
Ilustração de Aubrey Beardsley (1872-1898) para “O Gato Preto”, de Edgar Allan Poe (Divulgação)

William S. Burroughs (1914-1997), escritor da geração beat, era um amante de gatos assumido. Ele dizia que os bichanos eram seus “companheiros psíquicos” e os “inimigos naturais do Estado” (o que, vindo dele, era um elogio e tanto).

Habituado a escrever sobre drogas e o underground norte-americano em “Junky” e “Almoço Nu”, Burroughs revela seu lado mais sensível em “O Gato Por Dentro”, livro em que conta tudo o que os gatos fizeram de bom para ele.

O argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), autor de “O Aleph” e “Ficções”, tinha como fiel companheiro o gatinho Beppo, a quem dedicou o poema “A Um Gato”.

Outro grande autor argentino, Julio Cortázar (1914-1984) escreveu o conto “Orientação dos Gatos” inspirado em seus bichanos. Segundo Cortázar, um dos grandes motivadores que o ajudou a escrever “A Volta ao Dia em 80 Mundos” foi seu gato Theodor Adorno.

Como é possível notar, a lista de escritores gateiros é extensa. E não acaba aqui: Jorge Amado, Lygia Fagundes Telles, Jack Kerouac, Charles Bukowski, Mark Twain, Jean Paul Sartre, Jean Cocteau, Stephen King, Neil Gaiman, Raymond Chandler, Hermann Hesse, W.H. Auden, Doris Lessing, Jacques Derrida, todos tiveram um gatinho para chamar de seu.