Conheça o toyger, nova raça de gato que parece tigre e tem gerado polêmica entre ativistas
O texto a seguir foi escrito pela jornalista Alexandra Marvar e publicado pelo jornal The New York Times.
A reportagem, publicada em 27 de maio, fala sobre a criação de uma nova raça de gato, o toyger: mistura das palavras toy e tiger (brinquedo e tigre, respectivamente, em inglês).
O toyger tem sido desenvolvido pela americana Judy Sugden e por outros criadores ao redor do mundo.
O surgimento de um nova raça, no entanto, é criticada por ativistas pelos direitos dos animais.
Boa leitura!
Não muito tempo atrás, ter gatos selvagens como companheiros era associado a glamour, classe e criatividade. Salvador Dalí levava seu ocelote (jaguatirica) para o Hotel St. Regis. Tippi Hedren descansava com seus leões na sala de estar de sua casa em Los Angeles. O guepardo de Josephine Baker, com coleira de diamantes, passeava pela Champs-Élysées. Na época, essas criaturas selvagens serviam como animais de estimação chiques.
Mas em meados da década de 1970 uma onda de legislação sobre conscientização e proteção da vida selvagem modificou tanto a atração de possuir um grande felino quanto a possibilidade de comprá-lo legalmente.
Enquanto isso, uma criadora de gatos chamada Jean Mill trabalhava em uma alternativa mais prática: seu companheiro com manchas de leopardo tinha apenas 25 centímetros de altura. Em seu gatil no sul da Califórnia, Mill inventou uma raça de gatos domésticos chamada bengal, que ofereceria aos admiradores de gatos selvagens o melhor de dois mundos: uma pelagem impecável, semelhante à do leopardo, e um tamanho e comportamento de gato de apartamento.
A filha de Mill, Judy Sugden, 71, continuou seu legado. Sugden cresceu observando e ajudando com a raça bengal. Apesar de se formar em arquitetura, ela percebeu que sua verdadeira vocação estava no gatil. “Eu pensei: ‘Ora, não quero ser arquiteta’. Na verdade”, disse ela, “eu queria criar um lindo gato.”
Pode parecer uma carreira profissional incomum, mas o mercado de gatos de raças inventadas é próspero, em que a oferta raramente atende à demanda. Por isso, mais de 40 mil criadores de gatos domésticos registrados em todo o mundo se dedicam a fornecer aos proprietários animais como ragdoll, sphynx e outras raças. A associação de defesa dos animais PETA argumentou que essa clientela deveria adotar gatos de um abrigo.
Na década de 1980, Sugden imaginou um gato doméstico com pelagem listrada laranja-e-preto brilhante, lembrando um tigre. Teria orelhas pequenas e redondas, nariz largo e barriga branca como um tigre. Pesaria apenas 4,5 quilos, mas se moveria pela sala como se pudesse derrubar uma gazela. Ele evocaria uma sedutora “essência de tigre”, segundo ela.
Seria chamado de toyger (mistura de “brinquedo” com “tigre”).
Toyger, um pet brilhante
Cerca de 20 anos após o experimento de Sugden, em 2007, a Associação Internacional de Gatos (TICA na sigla em inglês) declarou o toyger uma raça de gatos de campeonato. Um toyger saiu na capa da revista LIFE. “Vai haver uma febre de toygers”, disse à revista a então presidente da associação, Kay DeVilbiss.
De fato, a procura por gatos de aparência selvagem só aumentou nos últimos anos, afirmou Anthony Hutcherson, 45, escritor de discursos políticos, criador de bengals e ex-protegido de Mill.
“Acho que as pessoas querem coisas que as façam pensar imediatamente em ‘selvagem'”, disse ele em seu gatil, o Jungletrax, no sul de Maryland. “Padrões contrastados, cor geral dramática e aparência e proporções de um leopardo ou uma jaguatirica.”
Ele lembrou que havia “toneladas” de anúncios de gatos persas na contracapa da revista Cat Fancy. Mas a estética primorosa e bem cuidada do persa não está mais em voga. “Esse visual não diz: ‘Eu consigo sobreviver na selva'”, explicou Hutcherson. “Diz: ‘Preciso de alguém para abrir esta lata de ração, porque não há como este gato pegar um rato.'”
Carole Baskin, fundadora do Big Cat Rescue e uma estrela de “Tiger King” na Netflix, chamou os donos de toygers de “egoístas” e disse que a criação de novas raças está “amarrando uma ogiva nuclear no problema dos gatos não domesticados, ou ferais”. Outros podem argumentar que, comparados aos animais de estimação de abrigos, as espécies criadas (as mais raras podem custar dezenas de milhares de dólares por filhote) são animais completamente diferentes.
À medida que as preferências evoluem, Hutcherson disse que o mercado dos bengals “explodiu”, com cerca de 2.000 criadores dos Estados Unidos à Romênia e cerca de 60 mil bengals registrados em todo o mundo. Enquanto isso, Sugden estima que apenas 150 criadores estejam enfocados no toyger.
Anthony Kao, 50, é um deles, reproduzindo toygers e outros animais, como papagaios e espécies de corais, no seu gatil Urban Exotic Pets, em Los Angeles. “O motivo principal para termos essa raça é que podemos satisfazer a curiosidade humana do exótico sem ter um exótico”, disse ele.
Ligers, Beefalos e ursos Grolar
Há séculos os seres humanos vêm combinando as características favoráveis de um ser vivo com as de outro, produzindo criações como a maçã honeycrisp e o cão husky-siberiano.
Tais esforços criativos têm gerado –com a objeção dos ativistas do bem-estar animal– espécies híbridas como o beefalo, o liger e até o urso grolar (meio pardo [grizzly], meio polar).
Apesar da bela pelagem, porém, um toyger nada tem a ver com um tigre –pelo menos não além dos quase 96% do DNA do tigre existentes em todos os gatos domésticos. Como seus cromossomos evoluíram de maneira tão diferente desde que suas espécies divergiram, 11 milhões de anos atrás, acasalar um tigre selvagem com um gato doméstico hoje é considerado uma impossibilidade biológica.
Então, como se consegue que um gato doméstico pareça um tigre sem ascendência verdadeira? “Nós não temos os genes”, disse Sugden em sua casa em Los Angeles, “então precisamos falsificar.”
Para desenvolver o bengal, em 1963, Mill cruzou um gato-leopardo asiático –um gato selvagem de aproximadamente 2,5 a 6 quilos– com um gato de rua cuidadosamente escolhido que havia caçado ratos no compartimento dos rinocerontes em um zoológico em Déli, na Índia. Essa ascendência selvagem é a base da raça bengal, embora, nas últimas quatro décadas, os bengals tenham vindo, em grande parte, do cruzamento de bengals com bengals.
Assim como sua mãe, Sugden viajou para a Índia, recrutando a ajuda de crianças locais na Caxemira para encontrar um gato doméstico sem dono com as características certas. Ela o chamou de Jammu Blu e o levou para a Califórnia, onde o apresentou a um bengal premiado.
Em um processo de várias gerações que chama de “desenvolvimento milimétrico”, ela se aproxima cada vez mais do toyger perfeito, instigando seus melhores felinos a se acasalarem naturalmente e buscando características desejáveis enquanto monitora o surgimento de distúrbios genéticos.
Outros criadores de primeira linha também estão cultivando suas próprias linhagens de toygers, enfocados em diferentes aspectos da evolução da raça e trocando animais entre si para garantir a diversidade genética.
Hoje, os filhotes de toyger podem custar até US$ 5.000 –preço comparável ao de um tigre verdadeiro no mercado americano. Se os preços parecem altos, é porque esses criadores devem cobrir todos os custos de um proprietário (limpeza, alimentação, contas de veterinário, seguro de animais de estimação) multiplicado muitas vezes. Além disso, estar seriamente envolvido na evolução genética de uma espécie é um grande investimento.
Os testes de DNA felino tipo 23andMe, que ajudam os criadores (e proprietários) a testar aspectos ou distúrbios morfológicos, custam a partir de US$ 89 por animal. E para continuar a pesquisa Hutcherson trabalhou recentemente com um geneticista de gatos, o doutor Chris Kaelin, da Universidade Stanford, para clonar um de seus gatos campeões, ao custo de US$ 25 mil.
Como cada gato e filhote é um investimento, os criadores nesse nível tendem a avaliar seus potenciais compradores tão rigorosamente quanto um comprador pode avaliar um vendedor. Os contratos geralmente estipulam que o comprador deve esterilizar e neutralizar o gato e que nenhum animal acabará em um abrigo. Os gatos ainda vêm com uma política de devolução incondicional vitalícia.
A localização também é considerada: os gatos híbridos, como o bengala, são ilegais em alguns lugares, como Nova York e Havaí. Em Rhode Island, os proprietários de toygers –por causa da linhagem de bengal– precisam de uma permissão, assim como os proprietários de um jacaré de estimação, chimpanzé ou lobo.
Kao disse que essas leis surgem do estigma “de que é um animal selvagem, e você simplesmente não pode tê-lo”.
Rumo à perfeição, lentamente
Em 2018, Sugden voltou para a casa de sua mãe para cuidar dela. Parecia o momento certo de se aposentar da criação ativa, embora ela não quisesse desistir completamente. “Tomei muito cuidado ao me mudar para cá e enviei meus gatos para criadores do mundo todo que poderiam usar os melhores para tentar espalhar os genes”, disse ela.
Mas Jean Mill morreu pouco depois da chegada de Sugden, aos 92 anos.
“Tendo me livrado de quase todos os meus lindos gatos, vou parar totalmente e escrever? Ou fazer outra coisa?”, ela imaginou.
Por enquanto, Sugden tem uma nova ninhada de gatinhos toyger de olhos grandes em seu gatil, EEYAA, e acha que sua responsabilidade é “apoiar os outros criadores ao redor do mundo e continuar fazendo o que faço”. Abrir novos caminhos sempre exige um trabalho árduo, disse ela, e juntos eles estão avançando “milimetricamente” na direção do toyger perfeito.
“Há muitas pessoas neste mundo que não se importam se houver um toyger”, disse Sugden. “Há muitas coisas neste mundo com as quais ninguém se importa. Mas ninguém se importava que houvesse uma Mona Lisa até termos a Mona Lisa.”
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves