Veterinários explicam tudo o que você precisa saber sobre doença renal crônica em gatos

Lá fora a temperatura passa dos 30°C. Dentro de casa, você observa o seu gato: deitado próximo ao ventilador, com o corpo todo esticadão. Parece que foi derretido pelo calor. Mesmo assim, o bichano resiste a beber aquela água fresquinha que você espalhou pela casa em vários potinhos.

Calma, você não falhou miseravelmente na missão de fazer seu bichano se hidratar melhor. “O gato doméstico tem origem na região desértica do norte da África. Ele tem por hábito beber pouca quantidade de água”, explica Yves Miceli de Carvalho, veterinário e presidente da Comissão Técnica de Nutrição Animal do CRMV-SP (Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo).

A principal preocupação dos tutores em relação aos felinos que ingerem pouco líquido é que os pets possam desenvolver doenças renais. De fato, é um temor justificado, já que certas raças, como persa, ragdoll e abissínio, podem ter predisposição à doença renal crônica, conta Marcio Thomazo Mota, veterinário e presidente da Comissão Técnica de Clínicos de Pequenos Animais do CRMV-SP.

“No entanto, a doença renal crônica é mais frequente em gatos mais velhos, sendo decorrente do processo natural de envelhecimento do animal. A incidência da doença é estimada entre 10% a 30% em gatos, chegando a 80% na população geriátrica”, afirma Mota.

Para evitar que seu gatinho padeça desse mal, vale oferecer sempre água fresquinha e investir em bebedouros com fontes –aqueles em que o líquido fica escorrendo–, além de dar sachês, que apresentam, em média, 75% de água na sua composição.

Entre os sinais que indicam a doença, fique de olho se o comportamento do felino está muito paradão –mais do que o normal para um gato–, se perdeu peso ou se está com dificuldade para urinar.

Uma vez instalada, a doença renal crônica não tem cura, mas tem tratamento para a manutenção da qualidade de vida do animal. “O tratamento é baseado em medicamentos, ração e soroterapia [aplicação de soro para hidratação], diz Otávio Verlengia, veterinário e  membro da Comissão Técnica de Clínicos de Pequenos Animais do CRMV-SP.

Para tirar todas as dúvidas sobre como evitar, identificar e tratar a doença renal crônica, o blog Gatices entrevistou os três especialistas do CRMV-SP.

É verdade que o gato é um animal que tem predisposição a doenças renais?
Marcio Thomazo Mota – Alguns estudos sugerem que certas raças de gatos podem ser predispostas à doença renal crônica, como persa, abissínio, siamês, ragdoll, birmanês, azul russo e maine coon. A doença renal crônica de início juvenil é provavelmente uma consequência de doenças renais familiares.

No entanto, a doença renal crônica é mais frequente em gatos mais velhos, sendo decorrente do processo natural de envelhecimento do animal. A incidência da doença é estimada entre 10% a 30% em gatos, chegando a 80% na população geriátrica.

Como evitar a doença renal crônica no gato? 
Marcio Thomazo Mota – O mais importante é identificar e gerenciar os fatores de risco para doença renal crônica, que podem prevenir ou retardar o desenvolvimento da doença e reduzir as chances de morbidade e mortalidade esperadas em estágios posteriores da doença.

Distúrbios ou comorbidades que foram identificados como fatores de risco potenciais para o desenvolvimento de doença renal crônica em gatos incluem, entre outros, hipercalcemia [nível elevado de cálcio no sangue], doenças cardíacas, doença periodontal, cistite, urolitíase [desordem do trato urinário devido à formação de cálculos], hipertireoidismo, anormalidades cardíacas detectadas na ausculta, diabetes e patógenos infecciosos como, por exemplo, leishmaniose e leptospirose.

Além disso, é preciso cuidar da alimentação, estimular a ingestão de água, ter sempre um espaço adequado e de fácil acesso para as necessidades do animal, e manter o local de fezes e urina limpo.

Também é importante realizar check-ups anuais com o médico veterinário, sobretudo em gatos a partir dos quatro anos.

Estimular o gato a beber mais água, como usar bebedouros com fontes, e oferecer sachês são boas táticas para o bichano se hidratar mais?
Yves Miceli de Carvalho – O gato doméstico tem origem na região desértica do norte da África. Tem por hábito beber pouca quantidade de água.

A domesticação e algumas mudanças nos seus hábitos naturais influenciam no seu metabolismo e podem ajudar a desencadear doenças relacionadas à alta concentração da urina.

A baixa hidratação dos felinos é um fator de grande importância no desenvolvimento das doenças do trato urinário inferior, o que com o avançar da idade poderá se agravar para uma doença renal. Por isso, a necessidade de mantê-los sempre bem hidratados e com oferta constante de água filtrada é um apoio que poderá prevenir tais enfermidades.

As fontes de água são uma alternativa interessante e podem auxiliar nesse manejo, apresentando-se como uma alternativa prática e útil para contribuir para o bem-estar dos gatos.

Quanto ao uso de sachês, ou alimentos úmidos, também pode ajudar a manter os gatos hidratados indiretamente. Os alimentos úmidos apresentam, em média, 75% de água na sua composição e por serem palatáveis são bem aceitos pelos felinos. É importante salientar que se deve oferecer alimentos de qualidade e com os níveis nutricionais compatíveis com a espécie.

É verdade que marcas de ração que têm muito sódio podem afetar os rins dos gatos? Como a gente pode observar nas embalagens a quantidade de sódio adequada?
Yves Miceli de Carvalho – O sódio apresenta grande importância nas funções do organismo dos carnívoros, como os gatos. Mas é importante que os níveis estejam adequados à idade e ao estado de vida que o animal se encontra.

Em algumas situações, níveis de sódio mais altos, quando comparamos a um alimento para gatos adultos e em manutenção, podem estimular os felinos a ingerirem mais água.

O cuidado com o sódio em animais com doença renal é para evitar uma hipertensão em um rim que apresenta lesões, como exemplo na doença renal crônica.

Os níveis utilizados pela maioria dos fabricantes de alimentos industrializados seguem parâmetros pré-determinados pela análise do estado de saúde, idade do animal ou com necessidades especiais.

Nos rótulos dos alimentos, encontramos os valores do sódio na tabela dos níveis de garantia, expressos em níveis mínimos com limites que podem variar de 1,5 mg/kg a 3,5 mg/kg de alimento na matéria seca.

É verdade que rações que têm os grãos coloridos também afetam os rins dos gatos?
Yves Miceli de Carvalho – Os alimentos que contêm corantes artificiais podem apresentar em sua composição ingredientes químicos que, quando usados a longo prazo ou por animais sensíveis ou alérgicos, podem desencadear enfermidades nos rins por sobrecarga e até mesmo como resultado de intoxicação, gerando distúrbios metabólicos não somente nos rins, mas também intestinais e hepáticos.

Os corantes utilizados pela maioria dos fabricantes, mesmo os artificiais, têm que ser de categoria alimentar e autorizados pelo órgão responsável, no caso, o Ministério da Agricultura.

Quais são as substâncias nefrotóxicas –que afetam os rins– para gatos? 
Yves Miceli de Carvalho – A fisiologia faz com que os gatos sejam particularmente sensíveis a certos produtos químicos e compostos. Eles nem sempre podem desintoxicar adequadamente seu corpo e isso pode resultar em doenças e até mortes. Saber quais são os alimentos tóxicos e outras substâncias que precisam ser mantidos fora do alcance do seu gato ajuda você a protegê-lo melhor, evitando que fiquem doentes ou sensibilizados.

Por não termos uma lista completa, mantenha longe do seu gato tudo o que não tem certeza que pode pode afetá-lo e não o alimente com nada além da dieta regular, a menos que tenha conversado com o médico veterinário.

O gato reagirá mal a compostos específicos presentes em produtos domésticos, incluindo paracetamol, aspirina e ibuprofeno. Desinfetantes fenólicos, como aqueles comumente usados para limpar banheiros, e solventes, como aguarrás mineral, também são prejudiciais.

A permetrina, composto sintético presente em alguns inseticidas, e o etilenoglicol (anticongelante) são similarmente tóxicos para os gatos. Mantenha todos esses produtos longe do seu gato e em um lugar de difícil acesso.

Os gatos são muito sensíveis a sabores amargos, e a maioria das substâncias tóxicas para eles é amarga.

A intoxicação pela ingestão de lírio e outras plantas pode ser vista comumente em gatos. É uma boa ideia evitar o cultivo de certas plantas que são tóxicas para gatos em seu jardim. Antes de plantá-las ou ter um gato em casa, é importante pesquisar se haverá algum fator que poderá levar a riscos para a saúde do felino.

Diversos alimentos que você provavelmente tenha em casa são similarmente tóxicos aos gatos, provocando sintomas que variam de enjoo a danos graves aos órgãos.
Assim como ocorre com os cães, o chocolate é tóxico para os gatos devido à presença da teobromina. Quanto mais escuro o chocolate, maior a quantidade de teobromina. Dependendo da quantidade e do tipo de chocolate consumido, seu gato pode sofrer arritmia cardíaca, tremores, convulsão e até mesmo morte.

Cebola e alho causam problemas no organismo do seu gato, pois eles podem incentivar a quebra das hemácias e causar anemia. Eles também podem causar desconforto gastrointestinal, resultando em diarreia. Uvas e passas são igualmente tóxicas, podendo causar insuficiência renal.

Sinais de alerta precoce que podem identificar que seu bichano está intoxicado são vômitos repetidos e hiperatividade.

Embora a proteína seja um nutriente importantíssimo da dieta do gato, certos tipos de proteína podem ser prejudiciais à saúde. Dar ovos crus ao gato representa risco de intoxicação alimentar, mas isso também pode interferir na habilidade de absorver a biotina da vitamina de B devido à presença de uma proteína chamada avidina na clara do ovo.

Um outro ingrediente, o fígado. Se o gato ingere grandes quantidades de fígado, isso pode causar uma toxicidade por vitamina A que pode afetar os ossos e causar osteoporose e calcificações secundárias em cartilagens.

Também é importante evitar dar as sobras de sua refeição ao gato. Isso incentiva o comportamento de pedir alimentos, pode contribuir com o ganho de peso e também danifica o sistema digestivo.

Alimentos contendo gorduras em excesso ou fritos podem gerar dificuldade na digestão e resultar em processos de diarreia.

O álcool e a cafeína não devem ser oferecidos para seu gato, porque os efeitos que um ser humano sente decorrentes dessas substâncias são mais severos nos gatos por conta do porte pequeno e podem causar danos graves.

Não ofereça leite após o desmame. A intolerância à lactose do seu gato aumenta depois dessa fase e ingerir leite pode causar problemas e desconforto digestivo.

No caso de suspeitar que seu gato esteja intoxicado, fale com um médico veterinário imediatamente, que será capaz de aconselhá-lo sobre a melhor forma de agir. E tome medidas preventivas mantendo substâncias, alimentos ou plantas tóxicas longe deles.

Quais são os sinais de que o gato está sofrendo de doença renal? É verdade que eles demoram muito para apresentar os sintomas e, quando diagnosticados, pode ser tarde demais?
Marcio Thomazo Mota – Os principais sintomas que podem indicar que o cão ou gato tem doença renal crônica ou cronificando são: letargia, desidratação, urinar muito e beber muita água, dificuldade para urinar, diminuição da ingestão de alimento, podendo chegar a ficar totalmente sem comer, perda de peso, vômito e diarreia, constipação, anemia, alteração da pressão sanguínea, gastrites intermitentes, úlceras e feridas na boca, mau hálito, cansaço, pelos ressecados, sem brilho e arrepiados e dor abdominal.

Qualquer lesão aguda glomerular ou tubular-intersticial de doenças primárias ou secundárias pode iniciar o desenvolvimento de doença renal crônica em gatos. Um dos riscos importantes é que a azotemia –aumento de creatinina e ureia– é detectada quando há perda funcional de aproximadamente 65% a 75% dos néfrons [unidade funcional básica do rim], o que, às vezes, já é um caminho sem volta. Por isso, todos os sinais e acompanhamento são importantes.

Como é feito o diagnóstico da doença renal em gatos? 
Otávio Verlengia – O diagnóstico pode ser feito por ultrassom, que é o exame de imagem, e pelo exame de sangue, que é o hemograma. Se a creatinina e a ureia, que são substâncias presentes no sangue, estiverem altas, pode ser um indício de insuficiência renal.

Há também o exame de SDMA (Dimetilarginina Simétrica), um biomarcador renal específico utilizado como indicador de função renal, que auxilia no diagnóstico precoce.

Existe tratamento para a doença renal crônica em gatos? Eles podem ficar totalmente curados? 
Otávio Verlengia – Existe, sim, tratamento para a doença renal crônica em gatos. O tratamento é baseado em medicamentos, ração e soroterapia. Porém, não há cura. É um tratamento para a manutenção da qualidade de vida do animal.

 

Siga o blog Gatices no TwitterInstagram Facebook.